Tratamento jurídico dos animais não humanos no Direito Brasileiro
DOI:
https://doi.org/10.18226/22370021.v15.n1.15Palavras-chave:
animais não humanos, direito ambiental, direito animal, direito brasileiroResumo
Historicamente, o tratamento jurídico conferido aos animais não humanos no Direito brasileiro esteve sustentado em uma visão antropocêntrica que os reduz a objetos destinados à satisfação das necessidades humanas. Entretanto, avanços científicos na compreensão da senciência animal, reconhecendo a capacidade desses seres de experimentar sofrimento e emoções complexas, exigem uma revisão dessa perspectiva tradicional. Embora a Constituição Federal de 1988 expresse explicitamente uma proteção contra práticas cruéis, fundamentada em um paradigma biocêntrico emergente, o Código Civil de 2002, por sua vez, ainda permite uma interpretação doutrinária que classifica os animais como bens semoventes. A jurisprudência, no entanto, vem gradualmente superando esse entendimento restritivo, evidenciando uma transição normativa em direção à proteção da dignidade animal. Neste contexto, o presente artigo, utilizando método dedutivo e pesquisa bibliográfica, objetiva analisar criticamente essa incongruência, destacando os desafios e avanços recentes, incluindo o anteprojeto de reforma do Código Civil entregue ao Senado em 2024. Conclui-se que uma adequada proteção jurídica dos animais no direito civil brasileiro demanda a superação definitiva do paradigma antropocêntrico em favor do reconhecimento integral da dignidade e da senciência animal, conforme os valores constitucionais contemporâneos.
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