Morrer para sobreviver? O vírus que somos / Die to survive: the virus that we are
DOI:
https://doi.org/10.18226/21784612.v25.e020011Abstract
Este artigo, de caráter ensaístico, não se furta a pensar o fenômeno de maior proeminência no momento em que fora escrito, a pandemia desencadeada pelo Covid-19. Partindo literalmente da premissa foucaultiana, segundo a qual a filosofia deve ter como alvo o tempo presente, e abalizado por reflexões recentes de filósofos contemporâneos influenciados por Foucault, como Paul B. Preciado e Roberto Esposito, defendo a hipótese de que o vírus carrega em si, como um espelho, tudo o que ainda não conseguimos deixar de ser. Com efeito, a abordagem aqui adotada lança mão da estratégia, já recorrente na filosofia contemporânea, de ampliar a noção de “vírus” como metáfora pertinente para os mais diversos fenômenos societários. Após introduzir o que está em jogo neste contingente virótico e global, decomponho a reflexão em quatro partes: (1) enquadramento – de uma atmosfera previamente carregada de certos hábitos de exceção e anticorpos fronteiriços; (2) estranhamento – como princípio da imunização e da redistribuição da vulnerabilidade; (3) confinamento – como disciplina assimétrica de sobrevivência e autossacrifício; (4) desaparecimento – como horizonte ontológico de uma existência inerte que nos espelha. O que me interessa aqui é, mais do que delinear uma interpretação filosófica da pandemia, indiciar a lógica insuspeita e virulenta que há décadas nos cerceia enquanto corpos e anticorpos descartáveis. Concluo, à guisa do diagnóstico de Paul B. Preciado, segundo o qual o vírus atua “à nossa imagem e semelhança”, que o fenômeno pandêmico implica o recrudescimento do paradoxo neoliberal segundo o qual, para “sobrevivermos”, devemos sacrificar a nós mesmos.
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