v. 14 n. 3
A paz é fruto da justiça, da solidariedade e da educação responsável
A paz é fruto indissociável da justiça, da solidariedade e da educação responsável. É atitude comportamental. É processo educacional. Caracteriza-se pela busca contínua do diálogo. É enfrentamento de conflitos. É tentativa incansável de resolução de conflitos sem causar mais violência às partes envolvidas. A paz não é simples slogan de passeatas nem apenas ausência de guerras e tampouco simples estado de espírito. É compromisso inadiável, responsável e solidário com a cultura da paz.
A realidade complexa de violência, em escala crescente, questiona todos nós. Não é possível simplesmente aceitar a situação de violência em que nos encontramos atualmente sem, no mínimo, problematizar tal realidade e buscar o porquê de tanta violência e de tanto desrespeito aos direitos humanos numa época de avanços, outrora, inimagináveis. Não é possível aceitar explicações simples seja por parte de quem for: das instituições de ensino, da política governamental, das Igrejas ou do senso comum. É urgente analisar o fenômeno da violência como problema de investigação, na tentativa de compreensão da natureza humana em sua totalidade. A paz, na medida em que se opõe à violência, é encarada como problema de investigação e aprofundamento. É tentativa de compreensão do problema em sua totalidade, não sendo a violência uma invenção ou acontecimento isolado do século XXI. Ao longo da história da humanidade, sempre houve uma preocupação com a convivência pacífica, não obstante, no decorrer dos séculos, a compreensão não tenha sido a mesma. Especialmente, a partir da modernidade, tem-se a compreensão de que a paz não é natural. Constitui-se numa construção racional possível sobre o alicerce do Direito e da justiça.
A paz é um processo progressivo, ainda que natingível em sua plenitude. A paz não é um conceito estático. Não é simplesmente ausência de guerra, pois nenhuma paz está ao abrigo de toda ameaça de guerra. É um processo dialógico e não violento de respeito e construção coletiva. É a capacidade de instauração do diálogo incansável. Significa dizer que trabalhar pela paz implica engajamento, esforço, sacrifício. É compromisso inadiável de cada um e de todos. É a capacidade de assumir com responsabilidade os conflitos existentes e emergentes, buscando resolvê-los sem causar mais violência. Significa assumir com convicção e paixão a educação como possibilidade de instauração da paz.
Para contribuir com o debate na comunidade acadêmica, resolvesse reservar e dedicar o terceiro número de 2009 da Revista Conjectura à reflexão da cultura da paz, intitulando a temática deste número de "Paz, justiça, direitos humanos e educação." Para auxiliar na reflexão, foram escritos, na perspectiva proposta, nove artigos e quatro resenhas.
O primeiro artigo foi escrito pelo Prof. Dr. Paulo César Nodari da Universidade de Caxias do Sul (UCS) e busca estabelecer argumentos que sustentam a urgência de uma cultura e ciência da paz, esboçando, em linhas gerais, a importância do contexto moderno, especialmente, do texto kantiano, À paz perpétua, sobretudo, porque Kant fundamenta a ideia de que a paz é projeto de construção da razão, alicerçado no Direito. Com essa explanação introdutória à temática, o Prof. Dr. Celso de Moraes Pinheiro da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no segundo artigo, analisa os textos, À paz perpétua e Sobre a pedagogia, mostrando que a teoria da paz, apresentada por Kant, tem, ainda hoje, uma importância fundamental nos debates acerca das relações internacionais, sobremaneira, no que diz respeito à defesa dos direitos humanos como a base para a validade de leis internacionais e para a legitimação da soberania nacional e as regras do Estado.
Dando continuidade à temática, buscando a fundamentação e a colaboração de pensadores mais próximos de nossos dias, destacamos a relevância de três artigos. Nesse segundo bloco, o terceiro artigo foi escrito pelo Prof. Nilo Ribeiro Júnior da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje) e versa sobre a intriga entre ética e alteridade a partir do enigma do rosto do outro no pensamento de Emanuel Lévinas, partindo do fato de que a visitação do rosto inaugura uma sabedoria mais antiga e mais original do que a do saber e do pensamento provenientes da razão, mostrando, nesse sentido, que o conteúdo da ética da alteridade, associado à lição do rosto, veicula uma nova concepção de paz, que se constrói como solidariedade contra a exacerbação do individualismo. O quarto artigo, escrito pelo Prof. Dr. Federico Altbach- Núñez do Instituto Superior de Estudos Eclesiásticos da Arquidioceseda Cidade do México (Isee), centra-se na significativa contribuição de Jürgen Habermas para a compreensão tanto do mundo urbano como também das ciências da educação, mostrando que uma educação orientada comunicativamente pode ser um elemento decisivo para fazer da racionalidade comunicativa uma opção considerável para construir uma sociedade urbana melhor. O quinto capítulo é do Prof. Dr. Álvaro Mendonça Pimentel da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (Faje), em Belo Horizonte. O artigo centra-se no exame das contribuições do pensamento social de Maurice Blondel para a promoção de uma paz duradoura entre as nações. A partir da crítica blondeliana dos totalitarismos e dos regimes liberais, o autor destaca algumas características da ação humana histórica e concreta, individual e social, que fundamentam uma concepção social e política favorável à pluralidade das culturas e à colaboração entre os povos.
Num terceiro bloco de reflexões, temos três artigos muito importantes para refletir sobre a cultura da paz. A primeira dessas três reflexões foi escrita pela Profa. Dra. Karen Franklin, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). A autora argumenta acerca das dificuldades e dos desafios da educação diante da questão dos direitos humanos, apresentando algumas concepções necessárias para a conquista do conceito de humanidade através de uma convivência ética e pacífica. A segunda reflexão desse terceiro bloco foi escrita pelo Prof. Dr. Daniel Loewe, pesquisador de filosofia política na Escola do Governo da Universidade Adolfo Ibáñez, em Santiago do Chile. Ele descreve três tipos de conflito que, usualmente, podem ser identificados nas sociedades culturalmente diversas e sustenta que um modelo de educação multicultural, denominada por ele "Educação Multicultural Inclusiva", pode ser o gestor do entendimento, da interação e da cooperação social. A terceira reflexão foi escrita pelo Dr. Dom Irineu Rezende Guimarães, monge beneditino, Prior do Mosteiro da Anunciação do Senhor, em Goiás. Segundo ele, não obstante os meios de comunicação exponham as diversas faces da violência, o fato é que se está vivendo, em todos os cantos do mundo, um período de muito interesse, criatividade e empenho na luta pela paz. E para explicitar isso, seu texto buscará articular quatro pontos: 1) estabelecer a questão fundamental da educação e da cultura da paz, discernindo seu objetivo e escopo fundamental; 2) delinear a habilidade fundamental a ser desenvolvida no processo de educação para a paz, a formação da competência comunicativa; 3) descrever as características fundamentais da metodologia da educação para a paz: a formação decomunidades, o espaço do debate e a ação para a paz; 4) relacionar, finalmente, esses aspectos da educação para a paz com as novas tecnologias.
Por último, apresentamos um texto escrito pelo Prof. Dr. Mauro Meruzzi, da Pontificia Università Urbaniana de Roma. Ele intenta mostrar que o tema da paz em nossos dias se aproxima muito do conceito bíblico de shalom. Segundo ele, a paz é realização gradual do projeto criacional de Deus. É a construção de um modo de viver social que garanta estímulos de autêntica humanização para cada um e para todos.
E, para finalizar, em nome da Direção do Centro de Filosofia e Educação, do coordenador do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul, agradecemos aos autores das reflexões aqui contempladas, bem como aos mestrandos do referido Programa pelas resenhas apresentadas neste terceiro número da Revista Conjectura. Além disso, um agradecimento muito especial ao Prof. Dr. Everaldo Cescon e à sua esposa Cláudia Vanessa de Jesus Loureiro Cescon, pela distinta colaboração.
Prof. Dr. Paulo César Nodari
Prof. Dr. Everaldo Cescon
Organizadores