v. 18 n. 1

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Estamos vivendo um momento sociocultural histórico em que as tecnologias digitais nos envolvem em todos os setores e aspectos de nossas vidas. Termos como blog e Facebook e expressões como cultura digital, inclusão digital, letramento digital, dentre outros, estão presentes em nossos estudos, pesquisas, reflexões e discussões. Parece que há uma necessidade (imposição?) de trazermos as tecnologias digitais e seus desdobramentos para o cenário educativo: salas de aula, práticas docentes e cultura escolar.

Se por um lado isso se justifica, uma vez que é um elemento da sociedade que demanda por uma educação plena para seus sujeitos, por outro, a inserção dessas tecnologias parece necessitar ir além da mera presença, sendo processo que provoque inovação e redimensionamentos. Pelo volume de textos oriundos de investigações e de reflexões em torno desse tema, podemos dizer no mínimo que está havendo um desencadear de perturbações, no sentido piagetiano. Algumas mais profundas; outras nem tanto, mas as perspectivas parecem ser positivas no sentido de que essas perturbações possam gerar mudanças inovadoras.

Lemos (2009) comenta que um dos princípios da cultura digital é a possibilidade de emitir em rede, conectar-se com outras pessoas, produzir laços e fluxos de conversação. Essas ideias e as de Pierre Lévy sobre cibercultura nos levam a pensar que a forma como as subjetivações estão acontecendo está sendo modificada. As formas de conviver e de interagir também estão sendo influenciadas e, sendo assim, podemos pensar que as formas de aprender e de conhecer também podem estar sofrendo mudanças ou acontecendo por caminhos diferentes dos que havia antes do advento dessas tecnologias e dos dispositivos digitais móveis.

Considerando a complexidade do processo educativo, as várias possibilidades de mediar e planejar esse processo, as potencialidades das tecnologias digitais disponíveis e a subjetividade dos professores e estudantes, podemos dizer que não existe uma forma única ou mais adequada de pensar esses processos, mas alternativas que estão em função de vários fatores, dentre eles, o contexto, a área do conhecimento, a cultura escolar onde o processo se desenvolve. É importante destacar que não são as tecnologias digitais que irão redimensionar as práticas vigentes. Tais práticas carecem de mudanças para atender aos desafios e às demandas contemporâneas por uma educação que desenvolva criatividade, autonomia e senso crítico. No entanto, as tecnologias podem ser agentes propulsores que perturbam e problematizam essas práticas e seu entorno, fazendo surgir um repensar e, em alguns casos, inovações nas práticas educativas em andamento.

Diante desse cenário brevemente descrito, apresentamos esse número da revista Conjecturafilosofia e educação, onde trazemos as vozes de pesquisadores através de seus textos, juntando-as a várias outras e aos leitores, para que o diálogo em torno das possibilidades da interlocução das tecnologias digitais com os processos educativos seja realizado de forma a beneficiar a educação e a responder de forma satisfatória às demandas de nossa sociedade contemporânea.

No primeiro artigo, A formação de professores nas políticas públicas de inclusão digital: o programa UCA-Erechim (RS), os autores Adriana Richit e Marcus Vinícius Maltempi analisam alguns aspectos do programa Um Computador por Aluno (UCA) relacionados à formação docente, lançando luzes para as implicações dessa formação nos processos de ensino e de aprendizagem e à promoção da inclusão digital na escola pública. Os autores sugerem que o processo de inclusão digital precisa fomentar novas formas de conhecimento e participação social para professores e estudantes.

O segundo artigo, Ambientes virtuais de aprendizagem e formação continuada de professores na modalidade a distância, é de autoria de Miguel Alfredo Orth, Fabiane Sarmento Oliveira Fuet, Janete Otte e Marcus Freitas Neves. Nele, os autores analisam a formação continuada de professores por meio do ambiente virtual Moodle, na modalidade a distância, focando a integração hipermidiática das tecnologias nesse ambiente. Os autores mostram, no contexto pesquisado, que a integração da hipermídia potencializa o diálogo-problematizador, a interatividade e o desenvolvimento da flexibilidade para o processo de aprendizagem. Isso, segundo os autores, viabilizou aos participantes a realização de diversas associações entre diferentes conteúdos inter-relacionados, proporcionando, assim, uma ampliação da visão sobre os assuntos educacionais abordados na disciplina, o que, por sua vez, pode facilitar a transposição para seu fazer docente.

No terceiro artigo, Avarte: uma alternativa pedagógica à exclusão digital, os autores Elisabeth Brandão Schmidt e Michelle Coelho Salort concebem cultura como toda a produção artística e científica, além dos costumes e crenças conservadas de uma geração para outra e apresentam a linguagem como elemento fundamental da evolução humana, discutindo as manifestações das tecnologias da inteligência como artefatos que servem de elementos constitutivos de nosso desenvolvimento. Destacam que a cultura digital precisa ser concebida a partir de uma construção histórica e defendem a utilização de ambientes virtuais, em especial o AVArte, um ambiente virtual de Arte/Educação Ambiental, como influenciadores do desejo de aprender e como alternativas para a exclusão digital, a qual ainda é uma realidade em muitas escolas brasileiras.

No quarto artigo, Educação superior e processos de ensino e aprendizagem em EaD: os casos UCS e UFRGS, Andréia Morés discute a contextualização da educação superior na contemporaneidade, seus desafios e exigências demandados pelos novos tempos e espaços de formação em relação aos estudos da Educação a Distância (EaD). Em seus estudos, a autora defende que a EaD, mediada pelas tecnologias digitais, apresenta características que parecem produzir mudanças na cultura dos sujeitos, tornando-os autônomos, participativos e integrantes da cultura digital.

O quinto artigo, Identidades nerd/geek na Web: um estudo sobre pedagogias culturais e culturas juvenis, é de autoria de Angela Dillmann Nunes Bicca, Ana Paula de Araújo Cunha, Márcia Helena Sauaia Guimarães Rostas e Max de Lima Jahnke. Nele, os autores analisam blogsda Internet como espaços educativos nos quais se produzem e constroem as identidades juvenis de indivíduos que buscam se inserir no grupo cultural conhecido como nerd/geek. Mostram que, ao colocarem em circulação representações de identidadesnerd/geek, os blogs analisados contribuem para a produção discursiva dessas mesmas identidades em função dos modos como os integrantes desse grupo partilham formas de apropriar-se de saberes diversos, de utilizar equipamentos tecnológicos e de consumir produtos comerciais e textos midiáticos.

O sexto artigo, Jogos eletrônicos e aspectos morais: a borda entre o virtual e o atual, de autoria de Daniela Karine Ramos, discute aspectos relacionados à virtualização e à liberdade presentes nos jogos eletrônicos que se configuram como novos espaços de vivências, interação e subjetivação. A autora usa a cartografia como recurso metodológico para captar a singularidade presente na relação que os jogadores estabelecem com o espaço virtual. Ela conclui que, no contexto estudado, os jogos eletrônicos, como espaços virtuais, permitem lidar com a noção de tempo de forma diferenciada, aumentando o grau de liberdade e flexibilizando aspectos morais, trazendo à tona a noção de ciberética.

O sétimo artigo, No cenário da pós-modernidade: a reiterada exigência de qualidade e excelência na educação contemporânea, dos autores Maria Lúcia de Amorim Soares, Eliete Jussara Nogueira e Luiz Fernando Gomes, analisa a reiterada e repetida demanda pela qualidade e excelência exigidas pela sociedade frente à educação contemporânea. Considerando alguns aspectos da modernidade e da pós-modernidade, eles enfatizam, de forma provocadora, que a educação vive a sua crise de finalidade, não encontrando referências ou modelos para atualizar-se, uma vez que seu impulso legitimador foi diluído quando o cânone moderno de padrões objetivos de conhecimento e organização em que se baseava o mundo foi desacreditado frente a um cenário pós-moderno.

O oitavo artigo, Redes sociais: espaço de aprendizagem digital cooperativo, de autoria de Marcus Vinícius de Azevedo Basso, Aline Silva de Bona, Cristina Maria Pescador, Cristiane Koehler e Léa da Cruz Fagundes, discute a possibilidade de utilizar as tecnologias digitais online e as redes sociais como espaço digital de aprendizagem de uma maneira que favoreça a cooperação entre os estudantes. Este estudo foi baseado em uma pesquisaação, nas aulas de Matemática, realizada com estudantes do ensino médio. Os resultados desse estudo indicaram que os estudantes se apropriaram do espaço de aprendizagem digital como o Facebook e apontaram-no como potencializador da aprendizagem cooperativa.

O nono artigo, Tecnologias virtuais na educação incidindo no universo simbólico do professor, de autoria de Anna Rita Sartore, apresenta um estudo interpretativo a respeito dos efeitos da presença das tecnologias conectadas à rede mundial de computadores, sobretudo os dispositivos móveis, que se alastraram como objeto de desejo por toda a parte. A autora analisa a inserção dessas tecnologias, por meio de políticas públicas, nas escolas da rede, ponderando sobre resistências e tensionamentos que surgem nesse processo de inserção. Ela busca pistas dessa oposição silenciosa a partir das alterações promovidas pela virtualidade na relação simbólica do sujeito com o meio, incidindo na esfera de sua identidade.

No artigo de número dez, Teoria crítica da sociedade: um olhar sobre a educação em tempos de sociedade tecnológica, os autores Luiz Antonio Calmon Nabuco Lastória, Bruno Perozzi da Silveira, Jéssica Raquel Rodeguero Stefanuto, Juliana Carla Fleiria Pimenta e Juliana Rossi Duci apresentam suas reflexões a respeito das contribuições da chamada teoria crítica da sociedade para o campo da educação em tempos de crescente desenvolvimento tecnológico. Sob essa perspectiva, a educação autorreflexiva e autocrítica é pensada em seu potencial para a superação das condições de dominação que permanecem em nossa sociedade, cada vez mais tecnificada e pretensamente democrática.

No último artigo, Comprendre les liens professionnels entre le RASED et les équipes éducatives: intérêt des traitements statistiques fondés sur la complémentarité du quantitatif et du qualitatif, os autores, Jean-Claude Régnier e Marie-Françoise Crouzier, apresentam uma pesquisa baseada nas relações profissionais de professores de escolas primárias, cujocorpus de estudo, construído a partir de entrevistas, foi analisado numa abordagem estatística. A operacionalização do tratamento tornou-se possível através da utilização de uma ferramenta, o software SPAD (Sistema de Análise de Dados Portable) de CISIA, que permite descriptografar o corpusobtido pelos métodos de análise fatorial de correspondências múltiplas.

Finalizando as contribuições desse número da revista, apresentamos quatro resenhas: a primeira, de Marcelo Luís Fardo, do livro The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education de Karl M. Kapp; a segunda, de Jerônimo Becker Flores, do e-book Aprendizagem em ambientes virtuais [recurso eletrônico]: compartilhando ideias e construindo cenários, organizado por Eliana Maria do Sacramento Sores e Carla Beartis Valentini; e a terceira, de Lucas Mateus Dalsotto, do livro A ideia de justiça, traduzido por Denise Bottmann e Ricardo Doninelli Mendes, de autoria de Amartya Sen.

Em nome de todos, agradecemos aos autores pela valiosa contribuição a esse número da revista Conjectura. As reflexões, ponderações e provocações propostas aos leitores, pesquisadores e professores são um convite ao diálogo, a repensarmos as nossas práticas de docência e de pesquisa, buscando formas inovadoras de sermos, conhecermos e convivermos.

 

Prof. Dra. Eliana Maria do Sacramento Soares

Organizadora

Publicado: 2013-04-24

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