Vol. 9 Núm. 17 (2010)
O ano de 2010 marcou o Centenário da Elevação de Caxias do Sul a Cidade, 120 anos na condição de município autônomo e 135 anos da imigração italiana para o Rio Grande do Sul. Tais efemérides movimentaram a sociedade regional e levaram a Secretaria Municipal de Cultura de Caxias do Sul, a Universidade de Caxias do Sul e outros grupos organizados da cidade a organizarem o seminário “Origens de Caxias”. Dentro desse evento maior, a UCS realizou o III SIMPÓSIO INTERNACIONAL e o XI FÓRUM DE ESTUDOS ÍTALO-BRASILEIROS – 135 ANOS DE IMIGRAÇÃO ITALIANA NO RIO GRANDE DO SUL. Esse evento contou com o show de abertura guiado pelo historiador Emilio Franzina intitulado “Esuli, profughi, rifugiati e (in uma parola) migranti”, que também foi o conferencista de abertura do simpósio.
Este número da Metis: história e cultura apresenta alguns dos artigos que foram apresentados nos seminários temáticos do evento e que formam um dossiê em torno da história e da imigração. Um primeiro grupo de textos traz como eixo comum a discussão sobre processos migratórios. A respeito, Caroline von Mühlen analisa a imigração alemã a partir da visão de viajantes, ou seja, via relato e descrição do Rio Grande do Sul e dos alemães por alguém “de fora”. Focando os movimentos migratórios no espaço urbano, Caroline Poletto analisa os jornais anarquistas ligados aos imigrantes de Porto Alegre e Buenos Aires na virada do século XIX, apontando o papel da imprensa libertária. Para além dos anarquistas, num período posterior, judeus e italianos são focados no processo de homogeneização da identidade nacional, patrocinada pelo governo varguista. Nesse texto, Cristine Fortes Lia analisa as relações que se desenvolveram entre esses grupos de imigrantes, em especial, entre judeus e italianos, diante das necessidades de assimilação da cultura brasileira. Não perdendo de foco o urbano, Marcelo Caon dialoga com a memória da cidade e o patrimônio edificado de Caxias do Sul. Dois outros textos fecham essa primeira parte mais geral acerca das migrações. Maíra Inês Vendrame atenta para as redes que se estabeleceram no relacionamento entre os pares que ficaram e os imigrantes que partiram da Itália. Por fim, Gustavo Valduga analisa a pequena cidade de Garibaldi, na década de 20 (séc. XX) trazendo à baila os conflitos entre imigrantes, questionando a historiografia clássica, que aponta para o colono como sendo um ser avesso à política institucional.
No grande tema migração, a questão religiosa aparece como objeto de pesquisa. Milagros Gallardo analisa o papel do clero secular imigrante em Córdoba, Argentina, na virada do século XX. Aponta às profundas transformações relacionadas com a modernização social e econômica, ao grande fluxo migratório, à conformação do Estado Nacional e à consolidação da Igreja argentina. Com a mesma temática, porém trabalhando o clero regular no Rio Grande do Sul, Vitor Otávio Fernandes Biasoli analisa a ação da Congregação Palotina em Santa Maria, referindo-se à correspondência religiosa entre os interesses dos colonos e o projeto ultramontano advogado pela ordem. Ainda tratando de religião, Kenia Maria Menegotto Pozenato e Loraine Slomp Giron observam o papel da Igreja Católica na fundação de jornais, na radiodifusão e nos cinemas na antiga Região Colonial do Rio Grande do Sul. No processo imigrantista, as questões educacionais também aparecem como objeto de pesquisa. As possibilidades de acesso ao ensino institucionalizado foram possíveis a partir de diversas iniciativas: dos próprios imigrantes, de autoridades locais e estaduais, de autoridades consulares e de congregações religiosas. Terciane Ângela Luchese analisa as condições a partir das quais se organizaram a escola e suas diferentesmodalidades de ensino: as chamadas “aulas étnicas ou italianas” incentivadas pelas autoridades consulares e mantidas por sociedades italianas e comunidades rurais, algumas recebendo subsídio do governo italiano; as “escolas confessionais” que, em especial a partir de 1890, proliferaram por toda a região, por meio de noviciados, seminários, colégios e escolas paroquiais; e, finalmente, as diferentes modalidades de “escolas públicas”. Em outro texto, discutindo a relação entre escola da colônia e ensino público, Fernanda Rodrigues Zanatta enfatiza a iniciativa da colônia de Arroios Canoas, interior de Barão/RS, na organização de escola comunitária e os embates havidos no período de nacionalização do ensino, problematizando as políticas públicas educacionais e a recepção desse projeto entre os colonos. Paralelamente aos fluxos migratórios do século XIX, que objetivavam ocupar as terras devolutas colocando nelas colonos europeus, o Rio Grande do Sul desenvolvia uma economia voltada a atender às necessidades dos centros produtores de café do Sudeste brasileiro. A produção de charque, principal atividade sulina, era realizada em grande medida com mão de obra escrava de afro-descendentes. O tema escravidão, objeto de múltiplas abordagens nas últimas décadas, é trabalhado a partir do processo-crime contra o preto Ricardo, escravo insurgente que foi condenado à forca. Nesse texto Olgário Paulo Vogt e Roberto Radünz analisam as relações escravistas imediatamente após a Guerra Civil Farroupilha, período esse em que tanto o governo quanto os proprietários procuraram reforçar a ordem vigente. Após a abolição, muitos desses ex-escravos migraram para regiões coloniais em busca de ocupação. A historiografia acerca da região serrana do RS tem se direcionado, preferencialmente, ao estudo dos imigrantes italianos. Lucas Caregnato aponta à presença de negros em Caxias do Sul e sua relação com os imigrantes, analisando a inserção e a contribuição dos afro-descendentes na região.
Esta edição da Metis encerra analisando como empreendimentos turísticos estão associados ao processo de reavivamento do espaço rural e de identidades étnicas em algumas regiões de imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul. Roswithia Weber mostra como, em momentos de dificuldade, no âmbito econômico, se passou a dar atenção ao ambiente rural como potencial para o desenvolvimento do turismo, fortalecendo a identidade étnica, promovendo o seu reavivamento, à medida que se valeu do fato de serem regiões colonizadas por imigrantes.
Vania Herédia
Roberto Radünz
Organizadores