Da Crítica da Razão à Pedagogia do Descentramento Revisitando Kant, Foucault e Piaget
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Resumo
O presente artigo pretende construir um espaço analítico que torne inteligível certas conexões, de grande importância para o campo da Filosofia da Educação, entre a Filosofia Crítico-Transcendental de Kant e o Construtivismo Pedagógico fundamentado na Epistemologia Genética de Piaget. Cientes da necessidade de proceder com rigor e sutileza neste empreendimento, recorremos à Arqueologia de Foucault para oferecer um campo de articulação discursiva em que a imanência, a singularidade e a transversalidade das formações discursivas presentes nos escritos de Kant e de Piaget não impeçam que um discurso transcendental estabeleça relações significativas com um discurso psicogenético (e, portanto, empírico). No que diz respeito ao pensamento de Kant, enfatizamos o modo como o filósofo alemão utiliza o que chamou de método cético, para que o discurso metafísico, fundamentado no funcionamento natural da razão, falasse por si mesmo e produzisse um conjunto de desacordos que Kant nomeou de ilusões transcendentais. Tomando por relevante a descoberta kantiana de que a Razão Pura produz ilusões inevitáveis que, todavia, podem ser, de alguma forma, freadas pela Crítica, encontramos, aí, uma importante via de diálogo com Piaget e, de forma mais geral, com o campo da Educação. Assim, tomamos a análise feita por Piaget de fenômenos como o egocentrismo e a centração para frisarmos como o funcionamento natural da cognição humana é ininterruptamente bloqueado pela dificuldade em ver de um ponto de vista outro. Trata-se, em ambos os casos, de uma dificuldade estrutural da razão humana (Kant) ou do desenvolvimento cognitivo (Piaget) que leva a um julgamento precipitado, parcial e equívoco – e isso, justamente, porque está cego diante das sutilizas e complexidades existentes em um ponto de vista que lhe é exterior. Nesse sentido, ensaiamos a propositura de uma Pedagogia do Descentramento, como aquela capaz de coordenar os distintos pontos de vista e, antes de anulá-los como equívocos ou estancá-los como corretos, situá-los em uma dada organização que terá por efeito, na articulação significativa e funcional de diferentes pontos de vista, alargar o campo de visão – e, com isso, se municiar contra dois grandes inimigos históricos da Filosofia e da Educação: o dogmatismo e a centração.
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