v. 6 n. 12 (2007): Fotografia

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APRESENTAÇÃO

Parece-nos não haver momento mais adequado para uma reflexão sobre a fotografia do que o que vivemos: uma sociedade regida pela transformação permanente, pelo avanço sistemático dos processos tecnológicos; uma sociedade regida pela “batuta” da imagem. Esse foi o motivo do convite de Conexão aos estudiosos da área, que responderam prontamente com uma produção que certamente somará muito para uma boa análise.

Em Fotografia, memória e tecnologia, Silvana Boone registra: “Desde sua invenção, a fotografia sempre esteve associada à idéia de registro e de memória do presente. No contexto da arte, além dessas idéias originais, a fotografia também passa a ser objeto. No âmbito das tecnologias digitais e inovações constantes do século XXI, a fotografia torna-se material e ganha novas dimensões no que diz respeito a criações do passado.”

Se num passado não muito distante a fotografia cumpriu o papel de documento, liberando artistas do compromisso de registro da realidade em seus trabalhos, hoje a vemos como meio, não mais como fim exclusivamente.

Cooptada pela informatização, ela descobre a possibilidade de alçar vôo nos registros do simbólico e do imaginário, não sem provocar discussão, tampouco deixar uma lacuna importante. Qual, a partir daqui, o lugar do registro? O que significa registrar um fato e como vamos fazê-lo?

No caminho que delineamos, é enriquecedor passar pelo texto de Cezar Bartholomeu, Mário Cravo Neto: a máscara é um olho, que ressalta: “Me parece mais adequado investigar e situar a estratégia que constrói sua obra, de modo a não dissecar suas imagens sob a esfera da cultura, ainda que essa seja de enorme importância para o artista. Proporia, então, de início, que a obra de Mário Cravo traz duas questões importantes ao espectador: a primeira se refere à fotografia documental, em sua potencialidade antropológica/etnográfica. A outra questão se refere ao endereçamento da obra de arte, ou, mais especificamente, ao espectador de arte contemporânea como o outro do objeto de arte (nesse caso, da representação fotográfica).”

No artigo Geraldo de Barros e a fotografia como conceito, Paulo Henrique Camargo Batista e Luciana Martha Silveira partem das concepções de Arlindo Machado e Vilém Flusser, para discutir as possibilidades conceituais de a fotografia ser analisada como símbolo ou transformação do real, reconsiderando suas alternativas de classificação nesse campo teórico, ao pensar a possibilidade de intervenção na práxis comum e possibilitando uma estratégia de rompimento com o processo de dependência da programação do aparelho.

Em A mudança da imagem do presidente Lula nas campanhas eleitorais à Presidência da República, Célia de Castro Rodrigues e Amália Raquel Pérez-Nebra recorrem à análise de 36 fotografias, buscando evidenciar o poder de persuasão da fotografia e seu alcance, preocupação que nos parece fundamental ao pensarmos o fotojornalismo, por exemplo. A discussão se aprofunda no texto de Renato Forin Júnior e Paulo César Boni, que analisam, de forma contundente Aspectos valorativos no fotodocumentarismo social de Sebastião Salgado.

Talvez seja importante pensar pela Complexidade (Morin) ao levantar essa questão. Se, de um lado, o uso exacerbado da “imagem” pode levar ao caricaturismo, a uma falsa identidade, de outro poderá, justamente, somar para a formação dessa mesma identidade. Daí pensarmos com Morin, que fala em três circuitos pertinentes a essa discussão: o circuito risco/precaução, o circuito fins/meios e o circuito ação/contexto. No primeiro, o autor destaca que, “para toda ação empreendida em meio incerto, existe contradição entre o princípio do risco e o princípio da precaução, sendo um e outro necessários”.

Ele destaca, ainda, que meios e fins inter-retroagem uns sobre os outros; é quase inevitável que meios sórdidos a serviço de fins nobres pervertam estes e terminem por substituí-los. Meios de dominação utilizados para fim libertador podem não apenas contaminar esse fim, mas também se auto-extinguir. “[...]

Entretanto, a astúcia, a mentira, a força a serviço de uma justa causa podem salvá-la sem contaminá-la, com a condição de ter utilizado meios excepcionais e provisórios. Ao contrário, é possível que ações perversas conduzam a resultados felizes, justamente pelas reações que provocam. Então, não é absolutamente certo que a pureza dos meios conduza aos fins desejados, nem que sua impureza seja necessariamente nefasta.”*

Na seqüência, Conexão apresenta os textos de Antônio R. de Oliveira Júnior, Paisagem na fotografia: sentidos e plasticidades e de Denise Camargo, Da contribuição de Antônio Paraggi a Sherrie Levine: uma inserção da fotografia no campo das artes, que reforçam a discussão do duplo papel da fotografia na contemporaneidade: o da mimese e da criação estética.

Encerrando as discussões sobre o tema, Eduardo Masami Kitahara, com seu texto O uso da fotografia e da imagem digital nas pesquisas oceanográficas: novos rumos proporcionados pela evolução do processo digital, nos chama de volta à questão da complexidade da sociedade contemporânea (pósmoderna?), em que contrários convivem (e agora sabemos, não necessariamente em harmonia). Fica a provocação, na esperança de contribuir para algo de que nosso momento precisa muito: reflexão.

* MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2001. p. 88.

Marlene Branca Sólio

Editora

Publicado: 2008-01-01