v. 10 n. 20 (2011): Comunicação e Novas Mídias

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APRESENTAÇÃO

Em 6 de janeiro de 1412 nascia uma criança francesa, filha de Jacques D’Arc e Isabelle Romée, por vezes chamada donzela de Orléans. A jovem Joana D’Arc, tornou-se heroína da Guerra dos Cem Anos e, muito depois, a santa padroeira da França (Joana foi canonizada em 1920, quase cinco séculos após ter sido queimada vida, em 30 de maio de 1431). Segundo Irène Khun, Joana D’Arc foi esquecida pela história até o século XIX, conhecido como o século do nacionalismo. A autora escreve: “Foi apenas no século XIX que a França redescobriu esta personagem trágica.”1

Cinco séculos depois

Em 17 de dezembro de 2010, Mohamed Bouazizi, um cidadão comum, ateou fogo ao próprio corpo, em ato de desespero, depois que suas mercadorias foram confiscadas por autoridades policiais na Tunísia. O ato do jovem vendedor de rua serviu de gatilho para o que começou a ser chamado pelo mundo de Primavera Árabe. Menos de um mês depois, o presidente, há mais de 24 anos no comando do país africano, havia sido colocado para correr e os portões do inferno haviam sido abertos para todos os déspotas da região.2

Parece-nos importante lembrar, principalmente aos mais jovens, que o nome do movimento não é original. Tivemos, já, a Primavera de Praga,3 movimento de intelectuais reformistas do Partido Comunista Tcheco, cujo objetivo era modificar as estruturas políticas, econômicas e sociais naquele país. O líder do movimento era Alexander Dubcek, que lançou essas posturas políticas em 5 de abril de 1968. O objetivo era quebrar o despotismo e o autoritarismo do socialismo theco, no sentido de humanizar o sistema político do país. Visava a abrir o Partido Comunista na Tchecoslováquia, desagradando a antiga URSS e a base política de Stalin.4

O que separa ou aproxima os dois episódios: Joana D’Arc e Mohamed Bouazizi? Dependendo do ponto de vista do observador, podemos produzir diversos volumes sobre o tema. A velocidade do fogo, o tamanho das chamas, o horror das vítimas, com certeza sofreram poucas variações.

Mas, se pensarmos em testemunhas, o fato muda de figura. O que é uma testemunha? A testemunha ocular é aquela que esteve de corpo presente no momento do acontecido? Ou é também aquela que, frações de segundos depois e, em muitos casos simultaneamente (Torres Gêmeas/USA) viu o fato por meio de seu computador, devendo, nesse caso, fazer reverência5 à internet? As novas tecnologias colocam em xeque essa questão, ao lado de uma série de outras, que se pretendeu discutir nessa edição de Conexão.

A reflexão sobre a Guerra dos Cem Anos, sobre a Primavera de Praga e sobre a Primavera Árabe pode ser encaminhada pela “via da cobertura”, pelo como e em que dimensão os fatos chegaram à opinião pública. Do primeiro, algumas telas; do segundo, fotografias e vídeos; do terceiro, textos noticiosos, artigos opinativos, comentários, vídeos sonoros e infográficos que permitem uma exploração em múltiplas dimensões.

Oráculo do século XXI

Pierre Lévi, em O que é o virtual?, nos lembra que os meios de comunicação clássicos (relacionamento um-todos) instauram uma separação nítida entre centros emissores e receptores passivos isolados uns dos outros. As mensagens difundidas pelo centro realizam uma forma grosseira de unificação cognitiva do coletivo ao instaurarem um contexto comum. Todavia, esse contexto é imposto, transcendente, não resulta da atividade dos participantes no dispositivo, não pode ser negociado transversalmente entre os receptores. O telefone (relacionamento um-um) autoriza uma comunicação recíproca, mas não permite visão global do que se passa no conjunto da rede nem a construção de um contexto comum. No ciberespaço, em troca, cada um é potencialmente emissor e receptor num espaço qualitativamente diferenciado, não fixo, disposto pelo participante, explorável. (1999, p. ...).

Uma busca no Google, com a palavra-chave Primavera de Praga e restrita a vídeos apenas, apontou 1.430 resultados. Um banco de dados que nasceu em 1968, completando, portanto, 43 anos e que inclui, obviamente, muitos vídeos não relacionados ao fato procurado.

A mesma busca, com as palavras-chave Primavera Árabe, trouxe à tela 600 vídeos; também, devemos ressaltar, incluindo alguns desligados do contexto em estudo. Mas o que precisamos evidenciar é que a Primavera Árabe iniciou em dezembro de 2010, enquanto os vídeos da Primavera de Praga cobrem um período de 43 anos da história da humanidade.

Uma pesquisa no site de busca Google mostra, para as palavras-chave Primavera Árabe 9.270.000 referências, enquanto a mesma pesquisa, buscando a Segunda Guerra Mundial aponta 20.400.000 referências. Considere-se, mais uma vez, o espaço de tempo de cada um dos dois eventos.

O que se pretende evidenciar com isso é a facilidade de multiplicação de registros a partir do impulso tecnológico da sociedade contemporânea. Hoje, bases de dados incluem fotografias, filmes, arquivos sonoros, documentos, arte, infográficos e todo tipo de registro imaginável, constituindo um patrimônio social incalculável, de rápido e fácil alcance e de baixo custo, principalmente se considerarmos o processo digital e a tendência cada vez maior da produção colaborativa.

É importante, ainda, evidenciar, em pelo menos alguns espaços midiáticos, a tentativa de aproximação entre a Primavera de Praga (a Revolução Estudantil de Paris, deflagrou o movimento) e a Primavera Árabe como movimentos de jovens, com o objetivo de consagrar um modelo ocidental de juventude – o que pode ser discutível. De qualquer modo, os espaços para discussão desse viés estão abertos, basta opinar e postar.

O que se pode garantir é que a Primavera Árabe está associada, sim, à globalização da informação e aos novos meios de comunicação, ou seja, à internet, à capacidade de mobilização de pessoas que ela enseja e a uma nova concepção de espaço e de fronteira.

Não é possível ignorar a competência didática desses novos meios, como não é possível esquecer que um de seus papéis (tão importante quanto o da difusão), é o de memória.

Não nos é permitido esquecer, por exemplo, que a Primavera Árabe configura um conjunto de manifestações realizadas com o objetivo de questionar regimes autoritários e centralizadores em diversos países do Oriente Médio. Do mesmo modo, não podemos esquecer que John Locke e Jean Jacques Rousseau, nos séculos XVII e XVIII já fizeram isso como pensadores liberais que foram, influenciadores da Revolução Inglesa, da Revolução Francesa, da Independência dos Estados Unidos e mesmo da Conjuração Mineira no Brasil.

É muito importante compreendermos o papel e a importância das novas tecnologias nas possibilidades de leitura que passam a oferecer e no volume de dados que têm competência para acumular. Mas, da mesma forma, é importante termos clareza de que relacionar, comparar, ler as entrelinhas de bancos de dados é competência intrínseca de quem manipula esse conjunto de dados: o homem.

Ainda na trilha da Primavera Árabe, fio condutor para refletir sobre as novas tecnologias – pode-se recorrer a outro exemplo importante: suas possibilidades de leitura e algumas características de seus leitores. O leitor das novas mídias não se limita ao raciocínio linear – início, meio e fim –, ao mesmo tempo que a tecnologia lhe oferece possibilidades não imaginadas até recentemente, como infográficos animados.6

Como comparar o ensino de geografia até os anos 80 (séc. XX), com o ensino de geografia após, por exemplo, o Google Earth? Ou, com os exemplos que seguem, com infográficos animados que acoplam até três níveis simultâneos de informações? Trata-se de uma nova narrativa: dinâmica, lúdica, complexa, capaz de permitir ao observador/navegador/internauta, uma visão topográfica a partir de duas posições: a imersão e, em oposição, a visão panorâmica (distância), o que permite a compreensão em maior profundidade e a análise sob vieses múltiplos simultâneos. A animação e os efeitos criados por cores não apenas facilitam a compreensão, mas aumentam o potencial de memorização, com apelo a aspectos lúdicos, que reduzem o esforço e, evidentemente, o desgaste/cansaço, além de potencializarem as possibilidades de compreensão.

Na medida em que o internauta toca um país com o mouse, ele muda de cor e oferece dois menus (painéis: um com informações textuais, outro com fotografias).

Assim, o leitor tem uma visão panorâmica ao localizar a região de conflito no Google Hearth, fazendo, em seguida, uma imersão ao “entrar” no país, onde encontra as demais informações citadas e, ainda, pode lançar mão de outros níveis de informação, se recorrer a vídeos (onde ele ratifica o testemunho do narrador) e a textos descritivos, opinativos e/ou interpretativos.

Todos os movimentos lembram um game, o que pode levar a uma pergunta: O sujeito do aprendizado terá condições de distinguir mundo real e mundo virtual? Haverá consciência de que essa é a simulação de um mundo real?

Essas questões podem e devem, efetivamente, ter espaço. Da mesma forma, devemos, então, lembrar que é inegável a dose de surrealismo atualizada sistematicamente em nosso cotidiano, permitindo o “circo de horrores” que à internet cabe apenas relatar ao mundo. Convidamos nosso leitor a uma imersão em outras questões, atualizadas por pesquisadores preocupados com assuntos da contemporaneidade, relacionados aos avanços tecnológicos enlaçados a questões da Comunicação. Esperamos ter, dessa forma, contribuído com o avanço das discussões nessa área do conhecimento.

Marlene Branca Sólio

Editora

 

1 Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Joana_d%27Arc>. Acesso em: 1º set. 2011.

2 Disponível em: <http://www.grupo30.org/archives/2011/02/21/20445623.html>. Acesso em: 1º set. 2011.

3 Disponível em: <http://www.grupo30.org/archives/2011/02/21/20445623.html>. Acesso em: 1º set. 2011. Vale assistir ao seguinte vídeo, pelo Youtube (http://youtu.be/P76FtHq7mL4).

4 Disponível em: <http://www.infoescola.com/historia/primavera-de-praga/>. Acesso em: 30 ago. 2011. É de 68 também a Revolução Estudantil Francesa. O Maio de 1968 na França ficou conhecido como o ‘símbolo’ de uma revolta juvenil que se espalhou por vários países da Europa, entre eles, a Alemanha, a ex-Tchecoslováquia, a Itália e a Polônia.” Pode-se ler mais em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u396757.shtml>. Acesso em: 28 ago. 2011.

5 E nesse caso, queremos, mesmo, dizer curvar-se a.

6 Nesse sentido, é interessante acessar, via Youtube, uma série de vídeos de autores diversos que analisam características e comportamentos das gerações baby boom, x, y e z.

Publicado: 2012-04-12